sexta-feira, 27 de novembro de 2009

Antologia

Por Jordan Campos

Era uma vez uma menina de traços fortes e alma tímida.

Ela tinha um velho piano e remendos de peças de família.
Ela tinha uma irmã-espelho que às vezes a confundia e outras a consolava em dias de trovões.
A menina era triste por não poder falar, só tocar.
A menina tinha um bocado de sonhos naquelas notas imensas e prolongadas.
Quem não esconde seus mais secretos desejos num baú qualquer?
Alguns perdem de vista e nunca mais o encontram – num universo paralelo.
Outros, sexuais e criativos, compõem e criam o surreal.

A menina tinha medos, traumas e vergonha.
Chorava escondida e jurou um dia ser feliz.
‘Mochilou’ as partes de sua identidade que restou e foi tentar a sorte na cidade grande.
Uma fuga e um encontro.
Descobriu que as ‘nuvens não eram feitas de algodão’...
E que os homens precisavam parecer mais que são: sendo feios, envergonhados e inseguros.
Ela não teve pena deles e os usou a seu bel prazer.
Confundiu tudo e fez escolhas também.
Magoou um tanto e se vingou um pouco de seus pais, avós, ancestrais e daquele deus da igreja.
Ela não precisava ir mais à igreja para saber o que é certo e errado.
Ela não precisava de anéis de brilhantes para adornar corações de pedra.

E lá ia ela, a menina do piano, de cabelos desarrumados.
Um dia tomou a pílula maldita da lucidez para testar como seria fazer o papel.
Foi o início do fim... Um outono necessário de folhas que caem.
Antes uma profana explícita que uma canalha silenciosa.
Ela não sabe ainda o que quer de tudo isso.
Mas sabe muito bem o que não quer.
Nem sempre faz o melhor para si mesma, mas nunca faz o que não está a fim de fazer.

Ontem ela machucou os dedos quando uma’ ficha’ caiu.
E ficou preocupada em deixar o piano assim enferrujar.
Sua antologia estava ali.
Ela está agora entendendo que não é a cobertura, e sim o sorvete.
Pronta para melar o nariz e sorrir sem precisar mais de palavras.
A canção, enfim está voltando...
A paz chega iluminado seu olhar... Está escutando as dores do silêncio e deixando-as partir.
Entregando seus sentimentos, corpo e mente...
E reaprendendo a voar.

A menina pode estar ali, aqui ou ao seu lado bem agora.
Pode estar num e-mail escondido, no seu trabalho, ser sua vizinha,
Ou a mão que escreve agora estes versos soltos.
Mas isso agora é o que menos importa.


...

3 comentários:

  1. Você é simplesmente, um grande curador de vidas.
    Obrigada, por caminhar ao meu lado nesta minha reconstrução de vida, com tanto respeito, sensibilidade, maturidade e compreensão.
    Deus ilumine seu caminho de curador e contador de histórias.
    Muito Obrigado,mesmo.
    Abraços
    Ana

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  2. Quantas meninas escondidas nos muitos atendimentos que vc já fez.Quantos sonhos que pareciam perdidos e vc ajudou a resgatar.Quanta verdade existente nessas linhas poéticas que revelam a vida de cada uma peça do quebra cabeça que vc ajudou a reconstruir.Parabéns Jordan!me sinto privilegiada de hoje poder dizer que somos amigos, nessa trajetória de um ano resgatamos muitos elementos parecidos com os da menina.Muita LUZ!bjs.

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  3. Ufa...voltei!sou eu,a menina.
    tantas folhas se foram no outono.lembro-me daquele caminho que fiz.lembro-me daquela identidade que me foi dada.trouxe na mochila.mas aos poucos,tornou-se um nexo desfigurado.então,deixei no caminho.fiquei sem identidade.me veio solidão.vinha como um silêncio em minha'alma,e meu falar inexistia completamente.um som me consolava.as teclas se tornaram tão frias,até difíceis de serem lidas.era o que eu tinha.era o externar de palavras e pensamentos e mágoas e ausências, nunca ditas.pra quê?o eco distorcido me dilacerava.e ao lado...nenhuma estrutura.um ou dois corpos em que me deitei.tantas idas.e tantas vindas.era o meu porto...nem que fosse por um tão almejado e rápido minuto ali no porto."fique",eu pedia em silêncio...e eu quem fui.por isso hoje eu to aqui.ninguém me reconhece.não existe mais ser de menina,mas,alma.deixei meu lindo vestido branco,e cabelos trançados.me ponho sobre um vaidoso salto,que acompanha um longo vestido branco que me cai aos ombros.meus cabelos desarrumados.sim,desarrumados!e no rosto um sorriso de quem veio até aqui pra dizer que vim tocar apenas uma musica,de pés descalsos.com energia dourada.e voz suave acompanhando uma simples melodia...não me reconheces?sou eu!permita-me guardar esse lenço aqui.é tudo o que tenho.foi tudo o que trouxe.apenas para limpar estas teclas.eu deixei tudo ao longo do caminho.porque eu sabia que voltaria ao meu velho piano,somente para ele...pra recomeçar.
    Paulo D.

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