(Por Jordan Campos)
Aquela mulher entrou na sala com um olhar cabisbaixo e imensamente melancólica. Ao ser perguntada como poderia a ajudar, narrou que sua vida era marcada por infortúnios, por mazelas, que era uma “pobre diaba” - que decerto haveria de ter pregado os pés do cristo na cruz. Ela exalava o próprio caos.
Perguntei desde quando aquilo tudo existia em sua vida.
Contou-me que seu problema era simples. Disse que tudo se resumia no simples fato de não ter pai. Que isso era terrível e não podia conviver com aquilo mais. Que por não ter pai não teve base, referência, que rejeitou homens, amores, profissões e que para piorar toda a desgraça do mundo a acometia.
O peso de suas palavras me doeu tanto a cabeça que levantei para tomar água e sutilmente sentei numa poltrona mais distante e continuei a escutá-la para sair um pouco daquele campo denso.
Contou que sofreu abuso sexual aos 13 anos e que não teve um pai para defendê-la. Contou que logo depois foi atropelada e fraturou a bacia ficando seis meses sem andar e perdeu de ano. No primeiro dia de volta às aulas, depois de recomposta a fratura, contradizendo a teoria de raios que não caem em mesmo lugar, um ônibus invadiu o ponto em que estava e mais uma vez foi vítima de acidente, desta vez lesionou a mandíbula e quebrou as costelas. Passou mais dois meses na cama. Contou que concluiu o ensino médio aos 24 anos, por ter repetido o ano sete vezes, sempre por motivos trágicos, nunca intelectuais. Conta que passou em um concurso público e o mesmo foi cancelado. Que conseguiu depois de muitas negativas um bom emprego em uma companhia aérea e que no dia do seu primeiro salário sofreu um sequestro relâmpago, e mais um estupro. Que arrumou um namorado e um dia antes de casar, descobriu que a despedida de solteiro dele foi em uma boate gay, e que ele era homossexual e que não admitiria isso. Cancelou a cerimônia no dia. Esperava um filho e não sabia. O filho nasceu com uma disfunção e hoje é uma criança especial...
- Chega, chega!!! – falei à mulher.
- Mas eu ainda não terminei – retrucou.
- Não precisa terminar. Já entendi o suficiente.
- Então, concorda que eu sou um estorvo? Uma placenta criada e não a criança?
- Suas crenças são fortes, senhora.
- Tudo culpa de eu não ter um pai, sabia?
(silêncio)
- Senhora, me permite uma sinceridade?
- Sim, diga logo, fale tudo – pedia ela.
- A senhora é a primeira pessoa no mundo que conheço que não tem pai.
A mulher ficou pálida com a afirmação e me olhou desconcertante.
- Como assim? ... – murmurou ela.
- Sim, está tudo então explicado, entendi tudo. A senhora é marcada pelo absurdo, pois é a única pessoa no mundo que não tem pai. Eu conheço pessoas que não tiveram o pai ou a mãe que queriam, mas mesmo assim são filhas de uma mãe e pai. Mas a senhora, me permita... Diz isso como se literalmente fosse uma filha sem pai. E isso é impossível, absurdo, louco. Então como esperaria que fosse a sua vida com este postulado, com esta crença? Quantas vezes deve ter repetido que não tinha pai e que isso era a culpa de tudo?
Ela me fitava os olhos com lágrimas.
- Senhora, - continuei - sua vida toda foi marcada por coisas tão surreais como o fato de uma pessoa não ter pai. E tenho uma coisa para te falar que talvez te choque muito.
- Nossa! – Disse ela – Depois disso tudo eu aceito qualquer coisa – afirmou pedindo, a mulher.
- Preciso te dizer que você tem um pai.
Ela me olhava com espanto e as lágrimas corriam de sua face.
- Repita o que vou te dizer – pedi a ela – Diga: eu tenho um pai. Experimente isso.
- Ela entendendo a ‘simplicidade complexa’ daquilo tudo, repetiu a frase.
(...)
A partir daquele dia os absurdos na vida da mulher acabaram. Ela retomou a vida, encontrou um belo noivo, pensa em se casar e assumiu uma vaga de gerente em uma empresa de vinhos.
Simplesmente foi mostrado a ela o poder de nossas crenças e a simplicidade de apenas mudar o foco, a palavra ou mesmo argumento repetido e mentiroso que muitas vezes carregamos por anos. A palavra tem poder, a repetição daquela mentira tinha se tornado uma verdade e feito da sua vida um absurdo.
Essa foi a história da mulher que não tinha pai. E que hoje tem, mesmo ausente e não da forma que quis, um pai. E é preciso honrar a verdade. E ela nos honrará de volta lavando as nossas almas.
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Postulados, esses podem nos controlar por toda uma vida.Sim porque quando os integramos ao nosso dia a dia eles ganham forma e personificação.Portanto, assim como "A mulher que não tinha pai" outros tantos precisam ser revistos para que "a volta a nossas almas" aconteça verdadeiramente.Parabéns por mais essa importante reflexão.Muita PAZ!bjs.
ResponderExcluirÉ preciso perceber a mensagem que carregamos (afirmamos)tão corriqueiramente. Aí certamente está o remédio, simples, de muitos males da personalidade.
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